Quando Ana Silva, atendente da Rede de Laboratórios XYZ, recebeu um troféu intitulado "funcionária mais lerda" durante o plantão, ninguém imaginou que o caso terminaria em assédio moral reconhecido judicialmente.
Na última terça‑feira (24/09), a 28ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte – localizada no coração da capital mineira – ouviu a decisão da juíza Cristiana Soares Campos. Ela condenou a empresa a pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais e garantiu à trabalhadora 12 meses de estabilidade provisória por doença ocupacional decorrente de TDAH.
Contexto: o que levou ao processo
O episódio começou em março de 2022, quando Ana, diagnosticada há três anos com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), começou a perceber mudanças no clima da equipe. Colegas começaram a apelidar‑a de "lerda" e "sonsa" em intervalos curtos, e, segundo o depoimento de três testemunhas, o chefe direto, Carlos Pereira, não fez nada para frear a prática.
O ponto de virada aconteceu em junho de 2022: durante uma reunião de avaliação de desempenho, o gerente entregou a Ana um certificado em papel brilhante, acompanhado de um pequeno troféu dourado. O documento dizia, em letras garrafais, que ela era a "funcionária mais lerda do setor". O ato foi filmado por um colega e mais tarde anexado ao processo.
Detalhes da decisão judicial
A magistrada analisou o laudo da perícia médica, que apontou transtorno ansioso‑depressivo multifatorial, diretamente relacionado ao ambiente hostil. O exame demonstrou que o estresse crônico agravou o TDAH, gerando crises de ansiedade que culminaram em afastamento por incapacidade.
Além da perícia, o processo contou com depoimentos da própria juíza, do chefe de Ana e de duas colegas que confirmaram a rotina de humilhações. O ponto crucial foi o reconhecimento de que a empresa tinha conhecimento das agressões, mas se omitiu. "Ao deixar de exercer o poder disciplinar previsto na CLT, o empregador assumiu o risco da responsabilização civil", escreveu a magistrada.
Inicialmente, a indenização por danos morais foi fixada em R$ 50 mil, mas o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais reduziu o valor para R$ 20 mil ao considerar a capacidade econômica da empresa e a necessidade de evitar enriquecimento sem precedentes.
Reações da empresa e dos envolvidos
A Rede de Laboratórios XYZ, que preferiu não se identificar publicamente, emitiu um comunicado afirmando que “respeita os direitos dos trabalhadores e está avaliando medidas internas para melhorar o clima organizacional”. Contudo, não há indicações de que tenha oferecido qualquer treinamento anti‑bullying antes da decisão.
Já Ana Silva, emocionada, disse que a sentença representa “um alívio, mas ainda resta o trauma”. Ela pretende usar parte da indenização para tratamento psicológico especializado e, quem sabe, abrir caminho para outros profissionais que sofrem com a mesma condição.
Impacto no cenário trabalhista brasileiro
O caso ganha destaque porque une três elementos ainda pouco discutidos nos tribunais: TDAH como condição vulnerável, assédio moral sistemático e a responsabilidade objetiva do empregador. Especialistas apontam que a decisão pode servir de precedente para outras ações envolvendo doenças neuropsiquiátricas.
Segundo a advogada trabalhista Mariana Oliveira, "a jurisprudência ainda trata o TDAH como deficiência apenas quando há comprovação de incapacidade total. Este julgamento abre portas para reconhecer o TDAH como fator de vulnerabilidade em casos de assédio".
Próximos passos e lições aprendidas
Além de pagar a indenização, a empresa foi intimada a apresentar um plano de prevenção ao assédio moral dentro de 30 dias, sob pena de multa diária. A juíza também determinou que a empresa forneça acompanhamento psicológico a todos os funcionários que se sentirem afetados pelo ambiente de trabalho.
Para as empresas, a lição é clara: basta um “troféu” inesperado para gerar um escândalo judicial que pode custar milhões. O alerta fica para que gestores invistam em políticas de inclusão e treinamentos regulares, especialmente para colaboradores que apresentam necessidades especiais.
Resumo dos principais fatos
- Juíza Cristiana Soares Campos condenou a Rede de Laboratórios XYZ a R$ 20 mil por assédio moral contra Ana Silva, atendente com TDAH.
- O troféu de "funcionária mais lerda" foi entregue em junho de 2022, provocando forte abalo psicológico.
- Perícia médica confirmou transtorno ansioso‑depressivo decorrente do ambiente de trabalho.
- Empresa também deverá garantir 12 meses de estabilidade provisória à trabalhadora.
- Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais reduziu o valor inicial de R$ 50 mil para R$ 20 mil.

Frequently Asked Questions
Por que o caso de Ana Silva é relevante para outras pessoas com TDAH?
A decisão reconhece que o TDAH pode tornar o trabalhador mais vulnerável a situações de assédio moral, exigindo que empregadores adotem medidas preventivas específicas, como adaptações de cargo e acompanhamento psicológico.
Qual foi o argumento da juíza para reduzir a indenização de R$ 50 mil para R$ 20 mil?
O Tribunal considerou a capacidade econômica da Rede de Laboratórios XYZ e a necessidade de evitar enriquecimento sem causa, mantendo ainda um valor suficiente para compensar o dano moral sofrido por Ana.
Quais medidas a empresa deve adotar após a decisão?
Além de pagar a indenização, a empresa tem 30 dias para apresentar um plano de prevenção ao assédio moral, incluir treinamento de inclusão para gestores e oferecer acompanhamento psicológico aos funcionários.
Como a estabilidade provisória de 12 meses afeta a vida de Ana?
Durante esse período, Ana não pode ser demitida sem justa causa, garantindo renda estável enquanto continua tratamento para o transtorno ansioso‑depressivo e para o TDAH.
O que outras empresas podem aprender com este caso?
Que a cultura de piadas e humilhações, ainda que pareça “inofensiva”, pode gerar multas milionárias e danos reputacionais. Investir em ambiente de respeito e políticas de inclusão salva não só a imagem, mas o bolso.
1 Comentários
A vida no trabalho parece um palco onde o absurdo pode ser premiado, mas o troféu de “funcionária mais lerda” revela a crueldade disfarçada de humor. 😔 A vítima, Ana, mostrou que o rótulo de “lerda” pode ser arma psicológica capaz de destruir autoestima. O tribunal, ao reconhecer o assédio, deu voz a quem antes só ouvia sussurros. Que sirva de alerta para que nenhuma empresa mais brinque com a dignidade alheia.
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